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Júri do Tribunal permanente dos povos condena estados e empresas por genocídio de povos do Cerrado
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Desde maio desse ano, pelo menos três indígenas Guarani e Kaiowá foram brutalmente assassinados dentro e fora de seus territórios. O primeiro foi o jovem Alex Recarte Vasques Lopes, de 18 anos, em 21 de maio. O segundo foi Vitor Fernandes Guarani Kaiowá, de 42 anos, assassinado dia 24 de junho pela Polícia Militar (PM) a serviço de fazendeiros que invadiram terras dos povos indígenas. O episódio, que tirou a vida de Vitor e deixou dezenas de pessoas feridas, ficou conhecido como o “Massacre de Guapoy”.

O terceiro foi Márcio Moreira, liderança indígena sobrevivente do Massacre de Guapoy, assassinado em 14 de julho em uma possível emboscada.

Na base dos assassinatos e de diversos outros conflitos nos territórios Guarani e Kaiowá estão a disputa pelas terras dos povos originários pelo agronegócio e a conivência do Estado do Mato Grosso do Sul, por meio da Polícia Militar e outros órgãos, que vêm atuando como aliados privados de invasores e grileiros.

No último dia 10 de julho, o júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado condenou estados e empresas pelo crime de ecocídio do cerrado e genocídio de seus povos. Os massacres históricos do povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul compuseram um dos 15 casos analisados e julgados pelo júri.

O veredito foi apresentado ao vivo na tarde do dia 10 de julho, e seu resumo acaba de ser divulgado. 

Condenados pelos crimes

Após quase um ano de audiências e discussões sobre 15 casos de violência e violações de direitos contra povos e comunidades cerradeiras, a audiência final do TPP foi realizada presencialmente em Goiânia (GO) entre os dias 8 e 10 de julho.

Povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais cerradeiras presentes à audiência ouviram os nomes de governos, empresas e instituições condenados pelo júri por cometerem os crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio cultural de seus povos.

O júri presente em Goiânia, composto pela subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat, pela escritora e jornalista Eliane Brum, pela professora venezuelana da Universidade Federal do Pará (UFPA) Rosa Acevedo, pelo professor espanhol da Universidade Rovira i Virgili de Tarragona Antoni Pigrau e pelo jurista francês e presidente do TPP, Philippe Texier, apresentou, de forma contundente e explícita, sua condenação, lida na ocasião por Eliane Brum.

“O Tribunal dos Povos condena o estado brasileiro pela sua contribuição decisiva, por ação e omissão, para o crime de ecocídio do Cerrado que envolve, inevitavelmente, o processo de genocídio dos povos do Cerrado. Por elaborar e implementar políticas e programas de desenvolvimento, nos últimos 50 anos, que concorreram para o grave dano, a destruição e a perda do ecossistema do Cerrado como um todo, cujo impacto provoca perda de benefícios ambientais e sociais para as populações da região e do país, que produz a expulsão ou força o deslocamento das comunidades, produz ameaça de extermínio dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e comunidades camponesas, que têm no acesso às condições metabólicas da região ecológica, na capacidade reprodutiva das terras e dos bens naturais sua condição de existência como povos de identidade diferenciada. O Tribunal Permanente dos Povos condena o estado brasileiro, o atual governo executivo federal, as unidades da federação, instituições públicas federais e estaduais, estados estrangeiros, organizações internacionais, empresas nacionais e transnacionais, de forma objetiva e compartilhada, por sua contribuição à comissão de crimes econômicos, ecológicos, qualificados como crimes de sistema, que têm gerado graves violações a direitos humanos fundamentais e ao meio ambiente, de forma a obstaculizar o acesso a direitos básicos, como à alimentação, água, medicamentos, moradia, trabalho, entre outros.”

Estados

Estados estrangeiros, como Japão, China e países que integram a União Europeia, também foram condenados por sua compra massiva de commodities que estão na base da monocultura que avança no Cerrado. Entre as instituições internacionais, foram condenados o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), e em particular Banco Mundial, pela promoção e legitimação de reformas neoliberais que aprofundam o ecocídio-genocídio cultural no Cerrado

Empresas

Entre os agentes privados, foram condenadas empresas transnacionais e fundos de investimento/pensão, cujas atividades econômicas estão vinculadas à violação de direitos fundamentais que causam e se beneficiam do ecocídio-genocídio cultural no Cerrado, como Amaggi & Louis Dreyfus Commodities, Bayer-Monsanto, Bunge, Cargill, ChemChina/Syngenta, China Communications Construction Company, China Molybdenum Company, Condomínio Cachoeira Estrondo, Horita Empreendimentos Agrícolas, Mitsui & Co, Mosaic Fertilizantes, SLC Agrícola, Sul Americana de Metais S.A., Suzano Papel e Celulose, TUP Porto São Luís, Vale S.A., e os fundos de investimento TIAA-CREF, Harvard e Valiance Capital.

Após o anúncio do veredito, os jurados apresentaram as recomendações prioritárias às instituições estatais brasileiras.

Importância do TPP

As sentenças proferidas pelo júri do TPP não têm aplicação dentro do sistema jurídico formal do País em que é realizado. Um governante ou dirigente de uma empresa que sejam considerados culpados por um crime pelo júri do Tribunal não poderá ser preso, por exemplo.

Ainda assim, as sentenças proferidas pelo TPP são de extrema importância para os sistemas de justiça nacionais e internacionais, e para a opinião pública de uma forma geral, uma vez que expõem os vazios e limites do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos e, assim, pressiona para sua evolução.

“Cada sessão do TPP é produto de uma demanda por justiça, e o TPP, em si, não é um ponto final, mas o início de um novo momento de luta dos povos que o Tribunal, por meio do veredito, pretende legitimar”, afirmou Simona Fraudatario, secretária geral do TPP.

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