
A menos de 100 dias para a COP30, a primeira Conferência do Clima a ser realizada na Amazônia, o Brasil deveria estar na posição de protagonista global da agenda ambiental. No entanto, a realidade que começa a se desenhar é de um evento que corre o risco de ser lembrado mais pelos obstáculos logísticos e pela especulação imobiliária do que pelos avanços climáticos.
Belém, entretanto, é muito mais do que esta notícia recente sobre a escalada dos preços de hospedagens. Trata-se de uma cidade rica em cultura, história e hospitalidade, bem como, porta de entrada para a Amazônia e ponto de encontro de diferentes povos e saberes. Seu patrimônio gastronômico é reconhecido internacionalmente, suas manifestações culturais vibram em cada esquina e sua relação profunda com os rios e com a floresta a tornam um símbolo vivo da diversidade brasileira. Receber a COP30 é também uma oportunidade histórica para dar a Belém a visibilidade que merece dentro do próprio país, evidenciando sua relevância estratégica, seu potencial turístico e sua contribuição para o debate climático global. É este cenário único que torna a cidade um palco com enorme potencial para sediar um evento de tamanha importância, porém precisamos que a questão de hospedagens seja resolvida para voltarmos a falar sobre Belém como a cidade merece.
Por outro lado, o problema mais urgente é a escalada abusiva nos preços de hospedagens. Hotéis e plataformas apresentam tarifas até dez vezes superiores ao valor normal, com diárias que saltaram de R$ 200 para R$ 2.000. Essa disparada inviabiliza a participação de delegações de países em desenvolvimento, povos indígenas, organizações não governamentais e universidades: vozes essenciais para equilibrar as negociações climáticas. Na prática, a conferência tende a se tornar um palco restrito a grandes corporações e países ricos, em contradição direta com o espírito de equidade e justiça climática defendido pela ONU.
O cenário não é inédito. Na COP28, em Dubai, o mesmo fenômeno reduziu drasticamente a diversidade de participantes, esvaziando debates fundamentais. Agora, o risco é repetir o erro em pleno coração da floresta amazônica, com consequências ainda mais graves para a credibilidade do Brasil como anfitrião. Além da crise hoteleira, Belém enfrenta gargalos estruturais: obras críticas, como a reforma do Centro de Convenções Hangar, seguem sem garantia de conclusão; o sistema de transporte prometido (BRT) está incompleto; o saneamento básico é insuficiente e 30% da cidade sofre com inundações recorrentes. Tudo isso coloca em xeque a capacidade de receber as 40 a 50 mil pessoas esperadas.
A ironia é dura: um encontro global que busca limitar o capitalismo predatório pode ser comprometido justamente pela ganância imobiliária e pela falta de planejamento. Enquanto cientistas alertam para o aumento recorde das temperaturas e países vulneráveis pressionam por fundos de perdas e danos, a imagem que o Brasil projeta é a de um anfitrião despreparado e permissivo com abusos comerciais.
A situação já gerou repercussão internacional. Um abaixo-assinado, endossado por 25 países, entre eles nações africanas e ilhas ameaçadas pela elevação do nível do mar, cobra a mudança da sede da COP30, seja para outra cidade brasileira ou até para outro país. Em junho, na pré-COP de Bonn, o governo brasileiro prometeu conter custos e garantir acessibilidade, mas um mês e meio depois, nenhuma medida concreta foi anunciada.
Ainda em agosto, o Comitê de Logística da ONU se reunirá com representantes do Brasil para exigir planos claros: subsídios à hospedagem, transparência nas obras e alternativas como alojamentos em universidades e espaços públicos. Se não houver avanços, a COP30 corre o risco de virar um evento esvaziado ou até ser transferida, um prejuízo diplomático e de imagem incalculável.
O Brasil abriga 60% da maior floresta tropical do planeta e poderia transformar a COP30 em um marco de liderança climática. Mas sem ação imediata e firme, o que deveria ser símbolo de esperança pode se tornar exemplo de improvisação e desigualdade. O tempo para corrigir o rumo é agora.
*Fernando Beltrame é mestre pela USP, engenheiro pela Unicamp e CEO da Eccaplan. Com mais de 20 anos de experiência em projetos de consultoria, sustentabilidade e estratégia Net Zero, já atuou em diferentes eventos e iniciativas como a COP18, Rio+20 e fóruns mundiais.